Material poderá realizar cálculos matemáticos com a luz

As indústrias de telecomunicações, óptica e aeroespacial, entre outras, começam a apostar em metamateriais para desenvolver estruturas com capacidades sem precedentes, tais como lentes planas, estruturas que curvam a luz e dispositivos ópticos capazes de manipular a luz, a exemplo de circuitos eletrônicos que controlam o fluxo de elétrons.

Um estudo publicado no início de janeiro na revista Science demonstrou que essas estruturas compostas de materiais comuns, dispostos de forma específica a fim de modificar suas propriedades eletromagnéticas e criar comportamentos inexistentes na natureza, também podem ser projetadas para realizar cálculos matemáticos avançados com ondas eletromagnéticas como a luz.

Os cálculos fotônicos são obtidos pela manipulação do perfil das ondas eletromagnéticas ao atravessar um bloco metamaterial – semelhante à operação realizada pelos antigos computadores analógicos.

As descobertas abrem a perspectiva de criação de dispositivos computacionais menores e com maior velocidade de processamento do que os existentes, destacam os autores do estudo, liderado por um brasileiro e realizado por pesquisadores das Universidades da Pensilvânia e do Texas, em Austin, nos Estados Unidos, e de Sannio, na Itália.

“Não havia, até então, um estudo como esse, no qual realizamos cálculos matemáticos com ondas eletromagnéticas no seu perfil espacial, e não somente temporal”, disse Alexandre Manoel Pereira Alves da Silva, primeiro autor do artigo, à Agência FAPESP.

“Ao iniciar o pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia sob orientação do professor Nader Engheta, ele me apresentou esse desafio”, disse Silva, que realizou doutorado em Engenharia Elétrica na Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Fotônica para Comunicações Ópticas (Fotonicom) – um dos INCTS apoiados pela FAPESP no Estado de São Paulo.

O pesquisador foi orientado no doutorado na Unicamp pelo professor Hugo Enrique Hernandez-Figueroa, pesquisador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de Campinas (CePOF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

De acordo com Silva, uma onda de luz, quando descrita em termos de espaço e de tempo, tem um perfil como o de uma curva em um plano cartesiano.

O pesquisador e seus colaboradores projetaram e simularam em computador blocos metamateriais com a propriedade de modificar o perfil de uma onda luminosa incidente.

Ao propagar-se pelo interior do metamaterial, que mede menos de um comprimento de onda, o perfil da onda luminosa incidente é alterado naturalmente.

Dessa forma, obtém-se na saída do bloco metamaterial um perfil equivalente ao resultado de operações matemáticas específicas, como primeira ou segunda derivada da função descrita pelo perfil da onda de entrada.

“Quando uma onda de luz atravessa esses blocos de metamateriais, na saída ela tem a forma do resultado de uma operação de cálculo, como uma derivada, integral ou convolução do perfil da onda na entrada”, explicou Silva.

Aplicações

Segundo o pesquisador, uma das possíveis aplicações desses metamateriais computacionais estaria no processamento de imagens.

Para realizar processamento de imagens hoje, as ondas de luz são capturadas, convertidas em sinais eletrônicos na forma de informação digital e só então processadas de acordo com a operação desejada.

Os metamateriais computacionais propostos pelos pesquisadores poderiam realizar essas operações quase que instantaneamente e diretamente na onda de luz incidente original – como a luz que entra através da lente de uma câmera –, sem a necessidade de convertê-la em sinais digitais, explicou Silva.

“Esse tipo de material reduziria consideravelmente o tempo de processamento das ondas eletromagnéticas pelos equipamentos de imageamento médico, por exemplo”, afirmou Silva.

De acordo com o pesquisador, os metamateriais computacionais podem ser úteis para agilizar a detecção de bordas – técnica de processamento de imagem muito comum hoje, que auxilia softwares a identificar pessoas e objetos em imagens de exames diagnósticos, por exemplo.

Pelas técnicas de processamento de imagem disponíveis a detecção de bordas é feita digitalmente, pixel por pixel, comparando com os pixels próximos – um processo custoso computacionalmente, explicou Silva.

Com uma câmera feita com o metamaterial computacional seria possível, no futuro, realizar a detecção de bordas da imagem toda de uma só vez, estima o pesquisador.

“O conceito de metamateriais é relativamente novo, em termos de ciência, mas a tecnologia já está madura o suficiente para ser utilizada pela indústria”, disse Silva.

Atualmente, o pesquisador e os demais participantes do estudo tentam construir metamateriais projetados para testá-los em laboratório.

Se os testes forem bem-sucedidos, eles pretendem desenvolver metamateriais que realizem outras operações matemáticas e até mesmo resolvam equações diferenciais e integrais.

A partir desses metamateriais, segundo os pesquisadores, seria possível desenvolver dispositivos de ordem de grandeza menor do que os à base de lentes convencionais.

“Se conseguirmos mostrar em laboratório que esses metamateriais funcionam no plano real, isso abre a possibilidade de construção de dispositivos computacionais muito menores, da ordem de alguns comprimentos de onda, com maior velocidade de processamento e menor consumo de energia do que os existentes hoje”, disse Silva.

O artigo Performing mathematical operations with metamaterials (doi: 10.1126/science.1242818), de Silva e outros, pode ser lido na Science em www.sciencemag.org/content/343/6167/160.

Autor: Agência Fapesp